28 Setembro, 2020
A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA – REGRAS E EXCEÇÕES
No processo civil, a penhora é ato de constrição de algum bem por meio da sua individualização e afetação a fim de que, em momento oportuno, ele seja alienado como ferramenta de satisfação de determinada dívida.
Definição e caracterização da impenhorabilidade do bem de família legal
O principal ato normativo que regula a impenhorabilidade do bem de família legal é a Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990. Em seu art. 1º, essa Lei institui como regra a impenhorabilidade do imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar.
“O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.”
Portanto, está protegida da penhora de seus bens não só a entidade familiar composta a partir de relação conjugal, mas também a formada por pessoa solteira, separada ou viúva.
Essa impenhorabilidade atinge o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza, todos os equipamentos, de uso profissional ou não, e os móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.
Quando a entidade familiar possuir vários imóveis utilizados como residência, será compreendido pela impenhorabilidade legal aquele imóvel de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado para esse fim. Além disso, em caso de imóvel locado, a impenhorabilidade se aplica aos bens móveis de propriedade do locatário que guarneçam a residência e que estejam quitados.
Exceções à impenhorabilidade do bem de família legal
A primeira exceção à impenhorabilidade do bem de família é tratada no próprio art. 2º da Lei nº 8.009/1990: são excluídos da impenhorabilidade, ou seja, são penhoráveis, os veículos de transporte, as obras de arte e os adornos suntuosos.
Além disso, o art. 3º da Lei apresenta rol de situações em que restará afastada a impenhorabilidade do bem de família legal. Estará sujeito o bem de família à penhora se o processo for movido:
a) pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
b) pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;c) para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
d) para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
e) por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; ou
f) por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Definição e caracterização da impenhorabilidade do bem de família convencional
A impenhorabilidade convencional do bem de família, em contraste com a impenhorabilidade legal, surge quando a entidade familiar destina parte de seu patrimônio para esse fim específico.
Nesse caso, as regras a serem observadas são as dispostas nos arts. 1.711 e seguintes do Código Civil. Para a constituição dessa modalidade de bem de família, que pode ser composta por prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, deve ser registrado título nesse sentido no Registro de Imóveis.
A partir desse ato formal, o bem de família constituído pela entidade familiar será isento da execução por dívidas posteriores à data em que foi instituído. Essa isenção durará enquanto viver um dos cônjuges ou, na sua ausência, até que os filhos completem a maioridade.
Cabe destacar que devem ser observadas as demais regras que orientam o instituto do bem de família convencional, estabelecidas pelos dispositivos mencionados acima.
A impenhorabilidade da pequena propriedade rural e do bem de família rural
Desde o início da nova ordem constitucional, a impenhorabilidade da pequena propriedade rural recebeu atenção especial na Carta Magna. Por isso, esse tema recebeu a seguinte previsão na Constituição Federal:
“Art. 5º. ..........................................................................................
XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;”
Essa regra se afasta um pouco dos objetivos que norteiam a Lei acima analisada uma vez que tem como princípio orientador não só o direito à moradia, mas também o direito fundamental de acesso aos meios geradores de renda. Desse modo, a Constituição Federal de 1988 gera uma nova dimensão para a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, qual seja, a de por meio dela assegurar que a propriedade em que trabalha a família seja protegida, de modo a lhe garantir a sua subsistência e as condições mínimas de sua sobrevivência.
Importante destacar que essa hipótese é diferente e mais ampla do que a protege o bem de família rural. Veja-se o seguinte dispositivo da Lei 8.009/1990:
“Art. 4º. ..........................................................................................
§ 2º Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural.”
Dessa forma, portanto, em caso de débitos decorrentes da atividade produtiva, e em propriedade trabalhada pela família, todo o pequeno imóvel rural será objeto de impenhorabilidade, de modo a resguardar o direito ao acesso aos meios de produção de renda.
Se, porém, se estiver em face de débito de outra natureza, e em imóvel rural habitado pela entidade familiar, apenas a sede de moradia e os seus respectivos bens móveis serão protegidos pela impenhorabilidade, protegendo em última instância o direito fundamental à moradia.
Importante destacar a atual discussão que está sendo promovida no Supremo Tribunal Federal no âmbito do Agravo em Recurso Extraordinário nº 1.038.507, cuja repercussão geral já foi reconhecida.
Trata-se de decidir se pode ser compreendido na hipótese de impenhorabilidade em face de débitos decorrentes da atividade produtiva, prevista no art. 5º, XXVI da Constituição Federal, a pequena propriedade rural que é trabalhada pela família, mas que não é a única propriedade dessa natureza pertencente à entidade familiar.
A matéria, relatada pelo Ministro Edson Fachin, foi recentemente reincluída no calendário de julgamento do Tribunal, e pode ser analisada no dia 25 de novembro do presente ano.
Conclusão
Ao final do presente artigo, resta evidente que o bem de família, legal ou convencional, é instituto que se destina a preservar o direito fundamental à moradia em face de dívidas contraídas.
Além disso, especificamente em relação à pequena propriedade rural, esse instituto protege não só o direito à moradia, como o direito de acesso aos meios de produção de renda.
Cogente ressaltar que a tentativa de utilização desse instituto como ferramenta de fraude à execução judicial é desvio de finalidade dos objetivos da sua criação, e sua prática pode acarretar consequências graves para aquele que busca fraudar a justiça.
Dal Maso Advogados
Luís Eduardo Magalhães - BA